Elis 1972, com nova mixagem dirigida por João Marcello Bôscoli, remasterizado por Carlos Freitas e relançado em vinil, CD e álbum digital por sua gravadora original, a Philips – atualmente Universal Music - , quase 50 anos depois de sua gravação, mostra o quanto há por se descobrir sobre o “som de Cesar” e as sutilezas de Elis Regina
Se fosse apenas sobre música, o LP de 1972, “Elis” ou apenas o “Álbum da Cadeira”, já seria um registro excepcional da MPB pela interpretação e pelo poder de sua sequência de canções. Mas, como tudo em Elis, nunca é apenas sobre música.
Ao ser relançado em vinil, CD e álbum digital com os luxos de uma nova mixagem e masterização, além de um lyric video da canção “Casa no campo”, as doze faixas revelam-se logo uma desforra emocional apaixonada e incessante deflagrada pela voz vida de Elis – “não é a voz que canta”, ela dizia – e pela textura de suavidade seca criada pelo pianista Cesar Camargo Mariano a partir daquele instante.
Ao ouvirmos Elis e suas primeiras gravações ao lado do Quarteto Fantástico, formado por Cesar, Luisão Maia (baixo) Hélio Delmiro (guitarra) e Paulo Braga (bateria), em um LP com direção artística de João Marcelo Bôscoli, com o engenheiro de som Luiz Paulo Serafim - quase 50 anos depois das gravações originais por alguém que saiu de seu ventre, João Marcello Bôscoli, nada fica muito parecido com um relançamento convencional.
É mais do que isso, e principalmente por tudo que ainda há escondido nas sutilezas de um álbum feito em detalhes captados por quatro canais. Coisas do vinil: o contrabaixo sólido de Luisão Maia cola-se ao bumbo de Paulinho Braga e potencializa os dois mesmo nos volumes mais baixos enquanto o pensamento da guitarra jazz de Hélio Delmiro o faz suingar nas frestas deixadas pelo piano de Cesar.
A vassourinha raspa a pele da caixa de Paulo Braga em “20 anos blue” e nos leva a um clube de jazz esfumaçado dos anos 50. As fisgadas da guitarra de Hélio bem ao fundo de “Bala com bala” faz a estrutura frenética de baixo, voz e bateria balançar ainda mais. A entrada dos violinos em “Águas de março” no instante em que Elis canta “é uma ave no céu” exerce o intrigante poder da própria levitação. E o piano elétrico RMI de Cesar em “Casa no campo”, o mesmo que, em 1974, assustaria Tom Jobim antes que ele relaxasse para deixar rolar a gravação de “Elis & Tom”, ajuda a criar uma canção rural psicodélica.
Cinquenta anos depois, talvez seja a hora de entender o que Elis quis dizer. Não importava muito como as músicas chegavam. Ao final, era sempre sua, e a partir daquele instante, de seu Quarteto Fantástico, a escolha de dar a cada uma o sopro da vida eterna.
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