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Foto do escritorJazz Mansion

A cidade do jazz no Brasil

O gênero mais amado pelos leitores desse blog tem residência fixa por aqui e ela se chama São Paulo


Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

São Paulo é um mosaico fascinante e acredito que essa seja a melhor característica dessa cidade que tanto amo. A cidade da influência européia, africana, asiática e de todos os outros estados do Brasil.


É como se aqui fosse o lugar onde todas as culturas se encontram e desenvolvem uma nova maneira de se comportar. Do sushi à pizza, do samba ao rock, do CTN à Japan House, aqui você encontra o que há de melhor pelo mundo com o jeitinho paulistano.


Com o jazz não seria diferente. Criado em meados de 1900 nos EUA, o gênero desembarcou no Brasil só no final dos anos 50, junto com o surgimento da Bossa Nova, ou como chamavam alguns, o Samba Jazz. Era um jazz com influências do samba brasileiro, ritmo também trazido pelos escravizados africanos. Talvez a canção que eu acredito que mais represente as primeiras influências do jazz no país seja “Rapaz de bem” de Johnny Alf:



Um registro raro do Arquivo Nacional mostra o que pode ter sido o primeiro contato de muitos brasileiros com o jazz no programa 'Primeiro Plano' da TV Tupi na década de 60, apresentando bandas de jazz no auditório da Universidade Católica de Guanabara:



Se quiser saber mais sobre a história do jazz no Brasil recomendo fortemente um artigo de Sérgio Vilas-Boas, com muitas citações de Zuza Homem de Melo, contando as histórias de como o gênero surgiu no Brasil, no blog da Saraiva.


Mas foi no final dos anos 80 que as primeiras casas de jazz começaram a pintar em São Paulo. Nos EUA, os músicos efetuavam estudos regressivos de análise técnica e recriaram as formas autênticas do jazz. Houve um interesse no estudo de intérpretes do passado, voltado para o aperfeiçoamento musical.


Foi nesse período que o mariliense Luís Fernando Mascaro, um veterinário e baixista apaixonado por música, junto com Edgard Radesca, visitaram pela primeira vez a cidade de Nova Orleans, em 1987. Eles ficaram obcecados pela ideia de recriar, em São Paulo, a atmosfera típica dos bares do French Quarter, o bairro mais famoso da cidade.


Ruas do bairro French Quarter em Nova Orleans - Foto: Zack Smith

Mascaro e Radesca voltaram de sua viagem e trouxeram na mala o sonho de recriar aqui tudo que encontraram por lá. Batemos um papo com Radesca em uma live da Jazz Mansion onde ele conta histórias incríveis desse período em que o jazz era tudo mato em São Paulo.



Dia 13 de dezembro de 1993, ninguém menos que o rei do blues, B.B. King, inaugurou o espaço, com um show internacional até então sem precedentes na cidade. Lembre-se que a primeira edição do Rock In Rio aconteceu em 1985 e era a primeira vez que grandes nomes da música pisavam em solo brasileiro.


Ter B.B. King em uma casa de jazz em Moema para cerca de 500 pessoas era algo inimiginável. Não há registros do show de 93, porém o artista sempre fazia alguns shows no Bourbon entre suas turnês pelo Brasil e abaixo você confere um trecho da apresentação do músico na casa em 2010:



O Bourbon é considerado pela revista norte-americana Downbeat “uma das melhores casas de jazz do mundo”. Além de B.B. King, passaram por lá lendas como Nina Simone, Ray Chalres e Joss Stone. Por dentro é possível encontrar uma autêntica 'Lucille', apelido da guitarra de B.B. King, autografada pelo mestre em um de seus shows e exposta numa redoma de vidro na entrada da casa. Um terno do Ray Charles também pode ser contemplado, além da partitura de uma música escrita num guardanapo por Hermeto Pascoal em uma de suas visitas à casa.



O local recebe apoio do New Orleans Convention and Visitors Bureau, instituição oficial de divulgação da cidade, e é considerado a segunda casa dos músicos de lá, que se referem a ela como “Nova Orleans fora de Nova Orleans”. O clube expandiu os limites físicos para produzir e promover eventos que reuniram até 160 mil pessoas – caso de Ray Charles (1930-2004) no Parque Ibirapuera em 1995, o maior show da história do Ibirapuera.


Desde então as casas de jazz se espalharam por São Paulo, como o All Of Jazz, o Jazz Nos Fundos, o Jazz B e mais recentemente o Blue Note SP. Podemos lembrar do clássico Piratininga na Vila Madalena sempre com nomes conhecidos da noite paulista, além do Baderna na Sumaré, que não era uma casa de jazz mas toda semana você encontrava um rap jazz de responsa liderado pelo Átrio Jazz, até o Boutique Vintage que levava jazz pra Zona Leste. Levanto tudo isso sem contar a oferta gigantesca de novos artistas que encontrávamos nos Sesc e em diversos Centros Culturais da cidade.


Dessa maneira a oferta de shows transformou a cidade na verdadeira capital do jazz no Brasil.


Vista do Blue Note SP, no Conjunto Nacional na Avenida Paulista

Não existia um dia sem jazz ao vivo em São Paulo. Era possível encontrar shows TODOS OS DIAS na cidade, sem brincadeira. Meu passatempo era abrir o calendário da iniciativa 'Um Jazz Por Dia', que organizava no Google Agenda a programação, e escolher qual eu gostaria de conhecer naquele dia:


Print da agenda em Junho de 2017

E a Paulista Aberta? Dá nem vontade de tocar no assunto que só de lembrar que SP tinha um festival multicultural gratuito todos os domingos, eu lembro da pequena e poderosa frase: 'VÍRUS FDP'.


Acho que ali é que a gente encontrava a atmosfera mais próxima de Nova Orleans, com músicos tocando na rua livremente, desde pequenos trios até grupos como o Unidos do Swing, com mais de 15 músicos levando jazz tradicional para a rua.



Abaixo uma lembrança do show do RSF Groove no 'Menor Festival de Jazz do Mundo' em um domingo qualquer na Paulista quando o Vinícius Chagas chegou no finalzinho do show e meteu essa canja pra quebrar tudo:



Lembro com alegria quando pintava o evento no Facebook da próxima 'Escadaria do Jazz'. A Escadaria do Bixiga, que liga a Rua Treze de Maio à Rua dos Ingleses, se transformava em uma das iniciativas mais autênticas do gênero da cidade, por estar em uma das regiões mais tradicionais de São Paulo e ser organizada com muita legitimidade por todos que estavam envolvidos. O esquema outside e de graça atraía multidão no entorno pra conferir os shows ao vivo



Se você gostava de se mexer enquanto escutava esses sons, podia treinar uns passinhos de lindy hop com a Cia de Dança That Swing em seus encontros com o 'Jazz Na Rua', onde bastava esticar o tapete xadrez com uma caixa de som para trasformar o dia de quem participasse


Foto: Divulgação

Com as restrições ao comércio por conta da pandemia, muitas casas e iniciativas foram obrigadas a fechar suas portas e encerrar histórias que ajudaram a formar a educação musical de quem frequentava. Todos lugares da boa música que não encontraram outra saída, que espero muito que voltem aos poucos quando for seguro para mantermos São Paulo como a capital do jazz no Brasil.


Mas olhando para o lado ainda é possível encontrar quem resiste e mantém o jazz vivo na cidade. É por isso que sempre que pudermos vamos exaltar todos que mantém essa chama acesa. Conheça um pouco mais sobre as casas e iniciativas de jazz que resistem na cidade.



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5 Comments


Unknown member
Apr 24, 2021

Lei Seca,no Brooklin

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Unknown member
Apr 17, 2021

Bela matéria, só faltou mencionar o Café Piu-piu que ficava no Bixiga e, como lembrou o outro colega, o Sanja Jazz Bar, fica na rua Frei Caneca.

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Unknown member
Apr 14, 2021

Cheguei a ir no Sanja, que foi emblemático!

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Unknown member
Apr 14, 2021

Opus 2004,penicilina,café socaite,chez Bernard,etc,nos anos 70,lembram?

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Unknown member
Apr 13, 2021

Também havia uma casa de jazz na Consolaçao, esquina com a Paulista, no começo dos anos 80.

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